AS FOLIAS FELLINIANAS NO PALCO
por Luiz Paulo Vasconcellos
No universo artístico encontramos artes concretas e artes abstratas. A música, por exemplo,é abstrata. Pura sensação. Purasubjetividade. O teatro, por sua vez, é concreto. Foi, é e sera sempre a representação de uma ação humana Possui sentido. Revela significados. Outras artes transitam entre a representação figurativa e a sensação subjetiva. É o caso dasartes plasticas, Que se salvou das fórmulas prontas ao mergulhar de cabeça no abstracionismo do inicio do século 20, 0 que pôs em cheque todos os modelos anteriormente estabelecidos, todos os "ismos",todos os códigos e formalismos figurativos. Uma espécie de explosão das regras para que outras regras pudessem ser inventadas. Mas se o abstrato nas artes plasticas é uma possibilidade e na música uma verdade absoluta, nas outras artes deve buscar um equilíbrio que dê sentido a linguagem para não correr o risco de a obra parecer redundante. É o caso da dança. A dança, como uma das chamadas artes cênicas, é uma combinação de narrativa e de performance, quase sempre mais performance do que narrativa, não irnporta, mas uma performance estabelecida sempre a partir de um contexto narrativo. Assim sendo, seja balé clássico, seja dança-teatro, o quenos interessa, comove, empolga e surpreende num espetáculo de dança são as combinações de gesto-movimento-cadência-ritmo-e-deslocamento- no-espaço a serviço de algum contexto dramático que vai sendo desenvolvido pela linguagem do corpo.Históricamente, talvez até como conseqüência da revolução que foi o abstracionismo nas artes plasticas, num determinado momento a narrativa na dança passou a ser "careta" e o desempenho do interprete passou a ser suficiente em si mesmo. Resultado? Os espetáculos de dança, salvo honrosas exceções, passaram a ser todos iguais, tipo viu urn,viu todos, um bando de gente se contorcendo no palco e nós, na platéia, inquietos, perguntando mas pra que tudo isso?Pois fim no ano passado estreou em Porto Alegre uma dessas raras e corajosas exceções, Folias Fellinianas. Inspirado na obra cinematográfica de Federico Feilini, o espetáculo nos remete ao universo melancólico e irônico de Noites de Cab/ria, A Doce Vida,Julieta dos Espíritos, Amarcord e outros filmes do genial diretor italiano. Coreografado e dirigido por Airton Tomazzoni,com cenografia de Zoe Deganie e lluminação de Carmen Salazar, Folias Fellinianas apresenta um mosaico de tipos e situações que se revezam e se renovam, começam e recomeçam indefinidamente numa espécie de caleidoscópio das relações sentimentais e intelectuais dos personagens. Sim, porque neste espetáculo há personagens, composições, silhuetas, caricaturas, tipos criados pelos atores-dançarinos que dão consistência e colorido as situações representadas. Provocações, diferenças, arremedos, disputas, desafios, todo um jogo lúdico de comportamentos cotidianos que se renovam a cada nova seqüência do roteiro coreográfico. Exatamente como havia proposto Fellini em seus filmes.Mas isso não é tudo. Se o que temos no palco é um acerto em termos estéticos e artísticos, os antecedentes revelam outrosméritos, quais sejam,os de uma política cultural séria e conseqüente. É que o espetáculo resulta de um grupo de estudo e pesquisa ligado a Secretaria Municipal da Cultura. Como nos diz AirtonTomazzoni,o autor do projeto,no texto do programa do espetáculo. "conseguir uma formação continuada e diversificada é um desafio para os/as jovens que buscam se profissionalizar em dança na nossa cidade. Dois dos motivos que estabelecem este cenário são geralmente apontados. O primeiro é a dificuldade financeira para se fazer aulas diárias, praticamente o mesmo custo de uma universidade privada. O segundo e a dificuldade de se oferecer, de maneira sistemática e articulada, a formação em diferentes técnicas, (...) Pensando nestas questões e em como superar estas barreiras, o Centro Municipal de Dança, da SMC decidiu implantar o projeto piloto Grupo Experimental de Dança da Cidade. O projeto surgiu, portanto,com0 objetivo de possibilitar a formação continuada em dança para jovens talentos e, assim, criar a oportunidade para jovens complementarem a sua formação em dança e obterem maiores chances profissionais na área. (...) Nestes seis primeiros meses, foram quase 400 horas de atividades entre aulas, ensaios, laboratórios, bate-papos, sorrisos, lagrimas e muito suor. Mais do que o final de um processo, este momento marca um começo repleto de possibilidades, que só pede se concretizar na continuidade que permite fazer, refazer; avaliar, experimentar. Continuidade essencial para a arte e para a cultura poderem sobreviver, inquietar,emocionar, provocar, compartilhar: verbos que precisam mais e mais ser conjugados no mundo de hoje".Folias Fellinianas faz temporada no Teatro Renascença , em meados de março, e,em abril, será apresentado na noite de entrega dos Prêmios Açorianos de teatro e dança,com retransmissão ao vivo pela TVCom. Imperdível!
Alessandro Rivellino
